quinta-feira, 20 de junho de 2013

O Brasil sai às ruas


Todos os brasileiros estão acompanhando a onda de manifestações nas ruas por meio da grade mídia, de redes sociais e em debates com organizações políticas e movimentos sociais. 

As grandes manifestações de massa, com milhares de pessoas, constituem um processo social que conjuga o velho e o novo. Por um lado, o ato de protestar no Brasil se sustenta em uma longa história de rebeldia e de luta pela liberdade que vem desde, pelo menos, o início da colonização, com as revoltas de indígenas e africanos escravizados. Durante os últimos 500 anos foram inúmeras as revoltas, insurreições, rebeliões, revoluções e outros tipos de lutas sociais realizadas por nossos ancestrais. Nas últimas décadas o Brasil teve dois grandes momentos de levante de massas: 1985, com a luta pelas eleições diretas, o Movimento Diretas Já!; e 1992, durante o protesto contra o primeiro presidente eleito diretamente após a Ditadura Militar (1964-1985), por denúncias de corrupção, com o Movimento Fora Collor. 

O principal sujeito da atual onda de manifestações pelo Brasil é a juventude. As manifestações que neste momento estão ocorrendo no Brasil são as manifestações desta atual geração de jovens que não viveram o Fora Collor, com entre 15 e 25 anos de idade, aproximadamente 35 milhões de brasileiras e brasileiros. Uma juventude de estudantes secundaristas e universitários, que nunca antes havia tomado as ruas ou vivido um processo de manifestação popular. Uma juventude sem orientação partidária, de direita ou esquerda, e que está aprendendo o que é uma manifestação na prática.

Podemos afirmar que perguntar "que forças articulam este movimento", é não compreender o que está acontecendo no país. Existem organizações ("forças") que também estão saindo às ruas, e vão desde grupos de esquerda, partidos e movimentos sociais que são "velhos de rua", passando por grupos anarquistas, grupos de direita, até torcidas organizadas de futebol. 

Porém, em termos de país, nenhum desses grupos tem hegemonizado os protestos de rua. Em casos específicos e locais, sim, há grupos que hegemonizam, como muitas manifestações puxadas por grupos de direita em cidades do interior. 

Trata-se, por um lado, da chegada ao Brasil de uma série de ondas de protestos de massa que se iniciou em 2011 no Norte da África, a chamada Primavera Árabe, e que tem eclodido nos países da Europa em crise (principalmente Grécia, Espanha e Portugal), e que nos EUA se chamou Occupy Wall Street (Nova York e outras cidades americanas). Este ano foi a vez da Turquia e, agora, do Brasil.

O padrão da Turquia e do Brasil é muito parecido: uma manifestação localizada é duramente reprimida pela polícia. As imagens da repressão ganham a internet e funcionam como convocatórias para outras manifestações. O movimento cresce e as pautas também. O que na Turquia era uma reação de defesa de um parque vira um protesto contra o governo. No Brasil, o que era uma manifestação contra o aumento do transporte público, ganha pautas mais difusas.

No caso no Brasil, o contexto da Copa das Confederações serve de momento privilegiado para o protesto, pois há uma disseminada indignação sobre os gastos com estádios, a FIFA e as empresas patrocinadoras. O caso de Brasília é bastante emblemático: uma cidade sem tradição de futebol, sem grandes times, onde é construído um estádio inicialmente orçado em 700 milhões e atualmente custando mais que o dobro, 1,5 bilhões de reais. Todos os brasileiros sabem que será um estádio pouco utilizado depois da Copa. Assim se gera uma indignação geral, pois enquanto há muito dinheiro para a copa, não há dinheiro para a educação, saúde, transporte público. E é isso que o povo tem gritado nas ruas, sem carros de som.

A grande difusão das redes sociais colocou jovens de diferentes classes sociais em contato. Acontece que a juventude decidiu sair do facebook e experimentar as ruas. A lógica que percebe-se é que, se o poder político é sedutor e atraiu muitos antigos militantes sociais para gabinetes e para a gestão do Estado, o poder das ruas é muito atraente para a grande maioria da população que está alijada da participação nas decisões.

Assim, o sujeito histórico nas ruas é o povo, e o povo com uma maioria da trabalhadora, assim como pessoas de classes burguesas, muitos militantes de organizações de esquerda, e alguns líderes de torcidas organizadas e militantes de direita.

Neste cenário, o lugar de quem tem experiência de movimentos de massa, dos históricos militantes de esquerda, é nas ruas. Um dever pedagógico de contribuir para que este movimento não seja apropriado pela direita, e nem pelo governo. Foi interessante o pronunciamento da Dilma no dia 18 de junho. Ela praticamente disse que estará nas ruas manifestando também! Parece não entender que um dos principais alvos dos protestos é o governo federal e suas prioridades.

A velha política do pão e circo - aqui corporificada nas bolsas e copas - encontra momentos difíceis e inesperados. Os poderosos torcem para a onda passar logo, mas há o risco de o povo gostar e insistir até que haja resultados. 

Especificamente, a redução dos preços dos transportes públicos pode acalmar as massa. Alguma prefeituras de capitais já anunciaram isso.

É interessante observar ainda que temos um novo tipo de meio de comunicação e mobilização (redes sociais) que está sendo usado para o povo sair às ruas e reivindicar as demandas mais clássicas da história moderna e pós-moderna: investimentos em saúde e educação e combate à corrupção. 

Analisando a situação alguns pontos chamam a atenção:

1) Ninguém vai dizer que é contra investimentos na saúde e educação. E ninguém vai dizer que é contra o combate à corrupção ou que é favorável à corrupção!. Nenhum governante, e nenhum manifestante. Mas isso não invalida o fato de realmente existirem desvios de dinheiro público em várias áreas do Estado no Brasil, problema que continua e que gera indignação. 

2) Esses temas clássicos continuam problemáticos para a grande maioria da população em seu dia a dia. Isso é real: problemas na áreas da saúde, educação e administração pública. Problemas na saúde (saúde pública precária, domínio dos planos de saúde, formação de médicos, prevenção), problemas na educação (baixos salários dos professores, precariedade da infra-estrutura escolar dos municípios e estados, falta de políticas públicas de estados e municípios para a educação do campo), e denúncias de corrupção e mal uso de recursos públicos são realidades da vida dos brasileiros. 

Em 10 anos o governo federal do PT realizou alguns importantes avanços no atendimento às demandas sociais, mas não foi capaz de enfrentar de modo amplo e eficaz os problemas clássicos da saúde e educação. Talvez pela própria estrutura do Estado brasileiro. Talvez por causa de máfias implacáveis que estão no poder de setores do Estado há décadas. Talvez por causa de uma falta de vontade e de projeto de mobilização popular.  

E a cereja do bolo, ou a gota d'água, é a Copa das Confederações e a Copa do Mundo. Vivemos no dia a dia uma falta de saúde pública, problemas na educação pública e crises de corrupção que não levam à prisão dos condenados. Enquanto isso, há tanto dinheiro para a copa, o que significa dinheiro para os empresários de grupos que gerenciam estádios privatizados, e empresários da Coca-cola, da Nike, da Globo, da AmBev, e outras multinacionais imperialistas, muitas yankees. 

Independente do que vier no futuro, o que assistimos hoje é o maior movimento popular da nossa história recente. E motivos para o protesto não faltam: judiciário moroso e que favorece as classes ricas, serviços públicos de baixa qualidade, distanciamento dos representantes políticos, gastos excessivos com as Copas, privatização de portos, aeroportos e rodovias, ingressos muito caros para os jogos das copas, insegurança pública, falta de infra-estruturas para as chuvas, empresas de celular ineficientes, indústria da seca no nordeste, a construção de Belo Monte, conflitos entre fazendeiros e indígenas, racismo institucional, homofobia, violência contra a mulher, etc., etc., 

Ou seja, surpreendente era o quadro antes das manifestações: como um povo trabalhador tão explorado, em um país com tantos problemas, mas, ao mesmo tempo, com tantos recursos e possibilidades, não saia às ruas? De certo modo, as manifestações representam a restauração da lógica entre nós, brasileiros! Somos nós, como massa humana nas ruas, lembrando a nós mesmos que nosso poder como massa humana, existe e é imbatível. 

Neste momento é necessário que todas as organizações da esquerda socialista, que estão sempre nas ruas, participem do movimento de massa com firmeza, unidade e solidariedade, diferenciando-se, perante a população, dos partidos da ordem burguesa e de grupos de direita fascistas, e contribuindo para a educação popular da juventude que está nas ruas.

Em experiências de assembléias de rua os manifestantes tem colocado suas reivindicações. Basicamente exigem direitos há 25 anos garantidos pela Constituição mas que não são respeitados a uma grande parte da população em seu dia a dia. Saúde, educação e transporte públicos de qualidade.


Esta foto de São Paulo mostra os estopins, ou imagens de atos que levaram a uma comoção nacional e serviram de convite às ruas: um PM bate com seu cacetete nas costas de uma mulher, que cai sobre um homem no chão.A mulher está no ar, recebendo o golpe. E a fisionomia do PM que a agride, ao ser observado por outros PMs, expressa um sentimento de ódio e truculência. Ao fundo uma mulher com as mãos sobre a boca parece estupefata pelo que vê, com um princípio de indignação. E ao fundo, à esquerda, outra mulher aponta uma câmera para a cena, registrando-a em video, que depois será postado nas redes sociais e assistido por milhares de outras pessoas, potencialmente em todo o mundo, contribuindo para a disseminação das representações audio-visuais dos protestos e como convite à participação popular.

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