O sistema capitalista é uma realidade irrefutável. Esta chamada “crise” iniciada em 2008 não é a primeira e nem a última dessa formação econômica que é construída cotidianamente pelo trabalho humano. Trabalho que significa atividade produtiva que transforma a natureza, assim como ação e dispêndio de energia e tempo por parte de um ser humano. Máquinas não trabalham, e isso não é porque as máquinas não transformam a natureza – o que, de fato, fazem –, mas simplesmente porque elas não são seres humanos. Apenas seres humanos (seres que, é sempre bom lembrar, pertencem ao reino animal, termo que vem do vocábulo latim anima, utilizado para designar seres que realizam movimentos autônomos, mas que significa, literalmente, alma) trabalham. Máquinas não têm alma, mesmo que consigam movimentar a si mesmas e exercitar uma certa “inteligência artificial”. Ainda assim, mesmo sendo também coisas que existem e que de fato transformam a natureza, influenciam a sociedade e interagem com seres humanos, as máquinas não têm vontade de viver, o que é uma característica eminentemente biológica, aquilo que embala todos os seres vivos. O ser humano, independente de sua situação social, exerce diariamente uma luta pela vida, mesmo que esta luta passe despercebida para alguns. Para muitos, para a maioria da humanidade, esta é uma luta incerta que ocorre um dia após o outro. Mesmo aqueles que cometem suicídio não foram suicidas durante toda sua vida. Enquanto estiveram vivos, lutaram para tanto, até que por algum motivo, ou não, decidiram encerrar uma luta inevitável. Para todos nós que estamos vivos e lutamos para sobreviver, de diferentes maneiras, ou seja, para a humanidade como um todo, que reproduz seus meios de produção das condições necessárias e supérfluas da existência social, é necessário trabalhar. Fundamentalmente, o que distingue máquinas de seres humanos, é que estes precisam trabalhar para viver, enquanto aquelas, não.
No entanto, o sistema capitalista, que é o produto das interações entre seres humanos, em escala planetária, caracterizadas pela dominação de uma minoria sobre a maioria, dominação esta que ocorre desde a própria divisão social e industrial do trabalho, passando pela apropriação privada de recursos naturais com base no uso da força, e chega ao princípio imoral do lucro e ao fetiche das mercadorias, subordina os seres humanos ao controle de máquinas. A tecnologia, no capitalismo, serve para explorar e aprisionar os trabalhadores. Como o ser humano é também um recurso natural, o capitalismo vive de se apropriar da energia humana por meio do processo de trabalho, uma apropriação social que é o conjunto de pequenas experiências cotidianas e localizadas de exploração. Cada fábrica, por menor que seja, cada estabelecimento comercial, cada escola, cada fazenda é um palco de exploração humana que faz com que o sistema se reproduza.
Um processo histórico possível para o Brasil e o mundo é o da via revolucionária, não no simples sentido de insurreição, mas enquanto profunda transformação e alteração do estado das coisas em nível econômico e cultural. O futuro da ocupação humana da superfície do planeta Terra depende de uma mudança de modo de vida e de modo de pensamento dos seres humanos, um deslocamento do capitalismo para o socialismo visando o comunismo, ou seja, um estado das coisas em que a humanidade não mais aceite como legítima a exploração dos capitalistas, protegidos pelo Estado burguês, sobre o trabalho humano, assim como a escravidão que por milênios foi aceita, chegou um dia a ser considerado crime. Uma mudança assim é possível, mas depende da ação e compreensão e convencimento dos diversos grupos sociais que compõe a complexa classe trabalhadora do capitalismo de hoje, todos explorados de alguma maneira, produzindo mais-valia para seus patrões todos os dias, mesmo aqueles satisfeitos com seu salário. Mas se isso demorar tanto tempo quanto demorou a luta contra a escravidão, é possível que o capitalismo tenha destruído demais.
Não existe muito mistério sobre o que devem fazer aqueles pensadores determinados em compreender o seu mundo: pensar. Mas é necessário estar atento para a influência do sistema capitalista sobre os meios de comunicação e dentro da academia, que leva ao espírito de competição, ao individualismo, ao divisionismo de pontos de vista, levando a um niilismo sobre uma possibilidade de emancipação humana. Em algum momento, de alguma forma, com os meios que possuímos, devemos partir do pensamento para a ação, mas isso depende da apropriação do pensamento revolucionário pela população trabalhadora, o que, por sua vez, depende do trabalho de crítica e combate da hegemonia burguesa por parte de todos que não aceitam passivamente o capitalismo. É o que ocorre atualmente na Venezuela, em um ritmo mais rápido do que se esperava, ou pelo menos é isso que defendem os militantes da revolução bolivariana. No Brasil, a eleição de Lula em 2002, que poderia, sim, ter sido um passo na direção de um processo histórico de transformação mais intensa no Brasil, acabou sendo uma grande decepção. Lula optou pela conciliação no lugar do enfrentamento. Conciliação que, nesse governo, desde o início, foi uma disputa vencida pela direita, graças à capitulação dos governos municipais, estaduais e federal que, sob Lula, controlam o Estado, em todos os seus níveis, e optaram por continuarem ocupados e comprados pelo capital. Saímos de uma ditadura do capital com cara e braço de ditadura militar e caímos em uma ditadura do capital escancarada, onde o grau de liberdade é determinado pelo dinheiro.
Só uma revolução socialista, como, ao seu novo modo, ocorre, repito, aqui do lado, na Venezuela (país cujo nome relaciona-se à clássica República de Veneza), com forte participação popular porque estimulada por governantes – e Chavez é apenas um deles – e líderes políticos que decidiram romper, enfrentar o grande capital e suas armas, pode construir uma transformação social que, de outro modo, é impedida pelo grande capital. Outra forma revolucionária, consideremos, possível, é a da transformação lenta e gradual a partir de reformas pontuais que, a longuíssimo prazo, levem a uma diminuição da desigualdade social. Esta parece, na melhor das perspectivas, ser a visão dos setores mais progressistas dos partidos que ainda integram o governo Lula, ocupando nada menos que o Estado federal. Lideranças políticas que se originaram das esquerdas e dos movimentos sociais, e hoje são chefes de gabinete e responsáveis pela gerência do bem público. Passados 7 anos do governo Lula, não seria preciso mais perguntá-los qual caminho revolucionário adotam, se a via venezuelana, em que o governo eleito pela maioria trabalhadora enfrenta o capital e defende os interesses do povo no curto prazo, ou a via brasileira, que prefere apostar em correções pontuais e na harmonia de classes, conciliação com o capital para garantir a suposta prosperidade de todos. Se prosperidade é consumir mais eletrodomésticos, internet e automóveis, pergunto: o que parece mais utópico?
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